Rubens Pinto Lyra
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Rubens Pinto Lyra

SINGULARIDADE E IMPRESCINDIBILIDADE DA OUVIDORIA PÚBLICA

Por: | 15/01/2024


Rubens Pinto Lyra rubelyra@uol.com.br


Dois fatores pesaram decisivamente na gênese e na rápida expansão, a partir

do final dos anos setenta, dos institutos unipessoais de defesa dos direitos do cidadão

e de modernização da administração pública, como o Defensor del Pueblo

(denominação do Ombudsman, na Iberoamérica) e, no caso do Brasil, das ouvidorias

públicas brasileiras.

De um lado, a consolidação da democracia na península ibérica, influenciou,

em particular, o continente latino-americano. Com efeito, os países deste, na década

de oitenta, retomaram, sobre bases novas, a construção de sua institucionalidade

jurídico-politica, doravante fincada, não apenas na democracia representativa, mas,

também, na participativa. Do outro, o

crescimento e a complexidade crescente da burocracia dos Estados democráticos

modernos, tornou imperativa a criação dos institutos de defesa da cidadania,

supramencionados. No

Brasil, a ouvidoria é o único órgão público dotado de caráter unipessoal, o que lhe

confere, como a nenhum outro, agilidade e informalidade para interferir no cotidiano

da gestão pública. Também concorre para tal a sua proximidade com cidadão, visto

que, em número de aproximadamente quatro mil, estão disseminadas em todos os

institutos da administração pública, nos seus três níveis, e nos três poderes de Estado.

Destarte, a atuação

do ouvidor alcança o âmago máquina administrativa, possibilitando resgatar direitos

que, de outra forma, sem ela, ou seriam desconsiderados, ou exigiriam o caminho bem

mais longo e dispendioso da Justiça para assegurar a sua efetividade.


Por outro lado, é o conjunto das práticas

administrativas que se beneficiam da interferência construtiva do ouvidor, na medida

em que só ele é dotado de elementos de análise, externos ao gestor, sobre a qualidade

daquelas práticas, provenientes de quem é mais autorizado para avaliá-las: o próprio

cidadão.

Ademais, somente a ouvidoria tem a faculdade de conferir-lhe

“o manto da indumentária pública, ao revestir a sua demanda, originariamente

fundada em uma lesão privada, com o múnus público, que é próprio dos atos

praticados pelo ouvidor. De sorte que as reclamações e denúncias, por ele formuladas,

ao serem admitidas pelo ouvidor, são por ele assumidas, contrapesando a presunção

da verdade e fé pública dos servidores do Estado em face do particular” (GOMES,

39:2000).

Por fim, ainda que se trate de um órgão da administração pública, a ouvidoria,

por sua natureza, não é dotada de poderes administrativos, nem de correição.

Tampouco lhe compete a defesa dos direitos do cidadão no âmbito judicial, sendo esta

função exercida pelo Ministério Público.

Com efeito, a rejeição, em 1987, do 0mbudsman/Defensor del Pueblo –

existente nos demais países de expressão da América Latina – pelo Congresso


Constituinte, foi acompanhada da atribuição, ao MP, das funções exercidas, naqueles

países. pelos titulares do instituto em comento

“velar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância

pública aos direitos assegurados nesta constituição”; assim como pela “proteção do

meio ambiente e de outros direitos interesses difusos e coletivos” (art. 127, incisos II e

III da Constituição Federal) pela “defesa dos direitos sociais e individuais

indisponíveis”. I (art. 129, incisos IV a VI da CF). CONSTITUIÇÃO, 2014).


Assim, à ouvidoria compete a defesa e a promoção dos direitos do

cidadão, apenas no âmbito administrativo. Contudo, seu papel não se restringe a zelar

pela legalidade dos atos praticados pelo gestor. Diferentemente do Ministério Público,

o ouvidor tem a prerrogativa de examinar o mérito dos atos praticados com base no

poder discricionário do administrador, manifestando-se a respeito, sempre que julgar

oportuno.

Destarte, a ouvidoria encarna, também de forma singular, o que se

convencionou chamar de magistratura da persuasão. Eis que

A atuação do ouvidor não é contenciosa, ou seja, sua atividade não é

jurisdicional. Portanto, não está ligada a procedimentos de Procuradoria Jurídica ou de

Auditoria. A sua ação não é coercitiva, atuando movido pela sua moral, pelo respeito

adquirido através da imparcialidade de suas ações. É de fato um poder sem poderes,

que desta própria condição paradoxal concretiza sua base de apoio e força ( Wleide,

1995:70).

1.2. Modelo hegemônico de ouvidoria: subordinada e clientelista

A rejeição do Ombudsman pelo Congresso Constituinte dá origem à

disseminação das ouvidorias públicas, iniciada em 1991, com a criação da Ouvidoria

Geral do Paraná.

Portanto, as ouvidorias foram criadas para funcionar, no âmbito administrativo, como

sucedâneo do mencionado Ombudsman. Contudo, a expansão das ouvidorias ocorreu

de forma voluntarista e espontânea, reproduzindo, regra geral, os ingredientes

autoritários da ouvidoria paranaense. Estes,

em tese, incompatíveis com a idoneidade daquele instituto, mas que terminaram por

conferir a moldura institucional da ampla maioria das ouvidorias. Como

resultado desse processo, temos um conjunto atomizado destas, sem coordenação

técnica nem homogeneidade político-institucional, sendo a sua maioria dotada de

baixo status funcional.

Ademais, quase todas as ouvidorias são subordinadas ao gestor e escolhidas

por critérios político-partidários – a começar pelo titular da Ouvidoria Geral da União,

mas alcançando todos os ouvidores da Administração Direta do Poder Executivo

Federal.

Nesse modelo, a sociedade está ausente, tanto do processo de escolha do ouvidor

quanto da gestão da ouvidoria. Tais características debilitaram as ouvidorias públicas,


comprometendo a construção da identidade institucional destas, e privando-as da

credibilidade de que gozam os defensores de direitos escolhidos por órgão

independente, com a participação da sociedade.

Na dicção de Manoel Eduardo Gomes, primeiro ouvidor público do Brasil

Hoje, quando um cidadão, vítima de lesão de um direito, procura os serviços de

uma ouvidoria pública, não tem recursos para saber se estará diante de um mero

balcão de reclamações, ou de um ombudsman com poderes, prerrogativas e

competências para uma efetiva e exitosa defesa do que se convencionou denominar de

“boa administração” (GOMES, 2014:7) (1)


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