Rubens Pinto Lyra rubelyra@uol.com.br
Dois fatores pesaram decisivamente na gênese e na rápida expansão, a partir
do final dos anos setenta, dos institutos unipessoais de defesa dos direitos do cidadão
e de modernização da administração pública, como o Defensor del Pueblo
(denominação do Ombudsman, na Iberoamérica) e, no caso do Brasil, das ouvidorias
públicas brasileiras.
De um lado, a consolidação da democracia na península ibérica, influenciou,
em particular, o continente latino-americano. Com efeito, os países deste, na década
de oitenta, retomaram, sobre bases novas, a construção de sua institucionalidade
jurídico-politica, doravante fincada, não apenas na democracia representativa, mas,
também, na participativa. Do outro, o
crescimento e a complexidade crescente da burocracia dos Estados democráticos
modernos, tornou imperativa a criação dos institutos de defesa da cidadania,
supramencionados. No
Brasil, a ouvidoria é o único órgão público dotado de caráter unipessoal, o que lhe
confere, como a nenhum outro, agilidade e informalidade para interferir no cotidiano
da gestão pública. Também concorre para tal a sua proximidade com cidadão, visto
que, em número de aproximadamente quatro mil, estão disseminadas em todos os
institutos da administração pública, nos seus três níveis, e nos três poderes de Estado.
Destarte, a atuação
do ouvidor alcança o âmago máquina administrativa, possibilitando resgatar direitos
que, de outra forma, sem ela, ou seriam desconsiderados, ou exigiriam o caminho bem
mais longo e dispendioso da Justiça para assegurar a sua efetividade.
Por outro lado, é o conjunto das práticas
administrativas que se beneficiam da interferência construtiva do ouvidor, na medida
em que só ele é dotado de elementos de análise, externos ao gestor, sobre a qualidade
daquelas práticas, provenientes de quem é mais autorizado para avaliá-las: o próprio
cidadão.
Ademais, somente a ouvidoria tem a faculdade de conferir-lhe
“o manto da indumentária pública, ao revestir a sua demanda, originariamente
fundada em uma lesão privada, com o múnus público, que é próprio dos atos
praticados pelo ouvidor. De sorte que as reclamações e denúncias, por ele formuladas,
ao serem admitidas pelo ouvidor, são por ele assumidas, contrapesando a presunção
da verdade e fé pública dos servidores do Estado em face do particular” (GOMES,
39:2000).
Por fim, ainda que se trate de um órgão da administração pública, a ouvidoria,
por sua natureza, não é dotada de poderes administrativos, nem de correição.
Tampouco lhe compete a defesa dos direitos do cidadão no âmbito judicial, sendo esta
função exercida pelo Ministério Público.
Com efeito, a rejeição, em 1987, do 0mbudsman/Defensor del Pueblo –
existente nos demais países de expressão da América Latina – pelo Congresso
Constituinte, foi acompanhada da atribuição, ao MP, das funções exercidas, naqueles
países. pelos titulares do instituto em comento
“velar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta constituição”; assim como pela “proteção do
meio ambiente e de outros direitos interesses difusos e coletivos” (art. 127, incisos II e
III da Constituição Federal) pela “defesa dos direitos sociais e individuais
indisponíveis”. I (art. 129, incisos IV a VI da CF). CONSTITUIÇÃO, 2014).
Assim, à ouvidoria compete a defesa e a promoção dos direitos do
cidadão, apenas no âmbito administrativo. Contudo, seu papel não se restringe a zelar
pela legalidade dos atos praticados pelo gestor. Diferentemente do Ministério Público,
o ouvidor tem a prerrogativa de examinar o mérito dos atos praticados com base no
poder discricionário do administrador, manifestando-se a respeito, sempre que julgar
oportuno.
Destarte, a ouvidoria encarna, também de forma singular, o que se
convencionou chamar de magistratura da persuasão. Eis que
A atuação do ouvidor não é contenciosa, ou seja, sua atividade não é
jurisdicional. Portanto, não está ligada a procedimentos de Procuradoria Jurídica ou de
Auditoria. A sua ação não é coercitiva, atuando movido pela sua moral, pelo respeito
adquirido através da imparcialidade de suas ações. É de fato um poder sem poderes,
que desta própria condição paradoxal concretiza sua base de apoio e força ( Wleide,
1995:70).
1.2. Modelo hegemônico de ouvidoria: subordinada e clientelista
A rejeição do Ombudsman pelo Congresso Constituinte dá origem à
disseminação das ouvidorias públicas, iniciada em 1991, com a criação da Ouvidoria
Geral do Paraná.
Portanto, as ouvidorias foram criadas para funcionar, no âmbito administrativo, como
sucedâneo do mencionado Ombudsman. Contudo, a expansão das ouvidorias ocorreu
de forma voluntarista e espontânea, reproduzindo, regra geral, os ingredientes
autoritários da ouvidoria paranaense. Estes,
em tese, incompatíveis com a idoneidade daquele instituto, mas que terminaram por
conferir a moldura institucional da ampla maioria das ouvidorias. Como
resultado desse processo, temos um conjunto atomizado destas, sem coordenação
técnica nem homogeneidade político-institucional, sendo a sua maioria dotada de
baixo status funcional.
Ademais, quase todas as ouvidorias são subordinadas ao gestor e escolhidas
por critérios político-partidários – a começar pelo titular da Ouvidoria Geral da União,
mas alcançando todos os ouvidores da Administração Direta do Poder Executivo
Federal.
Nesse modelo, a sociedade está ausente, tanto do processo de escolha do ouvidor
quanto da gestão da ouvidoria. Tais características debilitaram as ouvidorias públicas,
comprometendo a construção da identidade institucional destas, e privando-as da
credibilidade de que gozam os defensores de direitos escolhidos por órgão
independente, com a participação da sociedade.
Na dicção de Manoel Eduardo Gomes, primeiro ouvidor público do Brasil
Hoje, quando um cidadão, vítima de lesão de um direito, procura os serviços de
uma ouvidoria pública, não tem recursos para saber se estará diante de um mero
balcão de reclamações, ou de um ombudsman com poderes, prerrogativas e
competências para uma efetiva e exitosa defesa do que se convencionou denominar de
“boa administração” (GOMES, 2014:7) (1)
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