Hildeberto Barbosa
Hildeberto Barbosa
Hildeberto Barbosa

Literatura e vida

Por: | 02/06/2025

Letra Lúdica
Hildeberto Barbosa Filho
Literatura e vida

Quando dava aulas de literatura no curso de Letras da UFPB, campus II, Campina
Grande, vez e outra, lia ou dizia um poema ou trecho de um poema de que gosto muito. Nessas ocasiões, a sala de aula se transformava num espaço vivo e aberto, próprio para o diálogo e a discussão.

Primeiro, entregue uma cópia do texto a cada aluno, eu dizia ou lia em voz alta, tentando repassar, no exercício da leitura, as componentes intrínsecas e estéticas do texto. Ou seja, ritmo, tom, perspectiva, vocabulário e outros recursos retóricos. Não entrava, de logo, na questão do mérito. Temas e motivos, deixava para depois.

Em seguida, pedia que esse ou aquele aluno lessem o poema, também em voz alta. Terminada a leitura, eu fazia algumas considerações de ordem didática, observando, sobretudo, aspectos da prosódia e da ortoépia, assim como a tonalidade, a cadência, a pausa e as acentuações na elocução dos versos. A leitura oral sempre me pareceu indispensável.

Sabe-se que não se deve ler o verso como se lê a prosa. O verso exige uma parada mais longa ao fim de cada linha, evitando-se, assim, a leitura continuada de um verso para outro. Alguns vocábulos, associados ao imperativo semântico, carecem de uma pronúncia mais destacada, assim como certas figurações da linguagem.

Preocupava-me, aqui, com a aprendizagem dos alunos no sentido de que percebessem e sentissem o lastro material das palavras, a força do significante tanto quanto do significado, a virtualidade corpórea da expressão poética e, em especial, com o fato de que, no verso e no poema, as palavras possuem musicalidade, cheiro, tatilidade, visibilidade e sabor.

Por isto mesmo, insistia muito nesses tópicos técnicos, para demonstrar que a linguagem poética é uma linguagem diferenciada, cuja organização pressupõe consciência crítica e capacidade criativa. Mais que o que se diz, na tessitura de um poema, importa o como se diz. O poema é conteúdo, mas é, principalmente, forma. Forma estética plenamente configurada.

Num terceiro momento, procedia a um debate sobre o texto lido. Pedia para cada aluno comentá-lo, dentro de suas possibilidades e ao calor de suas impressões, levando-se em conta os elementos literários, por um lado, e, por outro, as componentes humanas e existenciais que o texto encerra no seu corpo expressivo.

O que mais me tocava, para além da intimidade que certos alunos já começavam a adquirir no trato com os poemas era o fato de que a discussão extrapolava os limites da matéria técnica, para alcançar os, em outra clave, problemas reais da vida em geral ou mesmo da individualidade e/ou subjetividade dos alunos presentes.

Alguém falava dos seus sentimentos a partir dos sentimentos sugeridos pelo poema. O poema, em sendo poema, também era um vetor de esclarecimento e revelação. Um artefato mágico que nos ajudava a melhor compreender o mundo e os seus mistérios.

Deixo, a título de conclusão, uma passagem de Alberto Caeiro, que sei de cor e que li muitas vezes em sala de aula. Imaginemos as suas ressonâncias:

“Todo mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros, / Quer para fazer bem, quer para fazer mal. / A nossa alma, o céu e a terra bastam-nos. / Querer mais é perder isto, e ser infeliz!”.

(Publicado ontem, 01/06/25, em A União)


FONTE: A União - via Facebook - Acesse

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