Hildeberto Barbosa
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Hildeberto Barbosa

Luciano Maia e o soneto

Por: | 06/07/2025

Letra Lúdica
Hildeberto Barbosa Filho
Luciano Maia e o soneto

Luciano Maia (1949…), cearense de Limoeiro do Norte, é um poeta de sempre. Manuel Bandeira, com certeza, o colocaria na vertente dos contumazes, uma vez que sua obra é vasta e múltipla, embora marcada por um raro sentido de unidade estética.
Tomei contato com a sua poesia desde os idos de 90 do século passado, quando me ofertou a terceira edição do seu livro/poema, Jaguaribe: memória das águas (1994), decerto sua criação mais conhecida e mais afortunada, se considero, especialmente, a linhagem candente do lirismo telúrico como uma das esferas fundantes de sua concepção poética.

Cheguei a escrever sobre a grandeza desse “macrotexto” que me denunciava a presença de um poeta forte, quer no uso dos recursos retóricos e formais, quer na densidade da visão de mundo, decorrente da força lírica com que observa, sente e expressa os fenômenos variados da vida.

Agora me chega às mãos a décima primeira edição do emblemático poema e mais cinco títulos de sua lavra inexaurível, a saber: Dunas: Livro de Sonetos (2021), Sonetos tresmalhados e Sonata de sonetos (ambos, de 2022); Delta e Trovas e trovoadas (os dois, de 2024).

Ler a poesia de Luciano Maia me parece uma experiência que convoca a possibilidade de diversos caminhos. Sua dicção lírica é politemática, poliformal, poliédrica, conquanto assentada numa uniformidade de técnica e estilo, assim como num compromisso reiterado com os elementos essenciais da autêntica poesia. Aquela que comove e permanece.

Poderia, neste breve comentário crítico, investir na singularidade de sua lírica amorosa, no apelo social de certos poemas face ao vazio e ao efêmero desses tempos pós-modernos, na linhagem da meditação existencial, no acento mítico e cosmológico, ou mesmo no percurso metalinguístico que movimenta e cadencia a estrutura de muitos textos.

Mas não o farei. Quero apenas chamar a atenção para o exímio e desenvolto sonetista que é Luciano Maia. Sonetista por escolha, destino e amor, no que concerne à solidez e ao esplendor da forma memorável, cujas raízes vêm do século XIII e alcançam a contemporaneidade, sobretudo pela voz dos grandes mestres. Luciano Maia é um deles.

Diria que há, por dentro de sua poética e em meio à diversidade de seus inúmeros títulos, interesses e inclinações, uma matriz teórica centrada na propositura do soneto. Para ele, o soneto é forma, é conteúdo, é procedimento, é modelo, é emblema.

No soneto ele dialoga com seus pares, fertilizando a lavoura da tradição lírica, que nos deu um Dante, um Petrarca, um Shakespeare, um Camões, um Baudelaire, um Olavo Bilac, um Augusto dos Anjos, um Jorge de Lima e tantos outros.

Não são poucos os poemas que o tomam como assunto e como eixo de suas imagens e do seu pensamento, estabelecendo, assim, uma espécie de curiosa didática acerca de sua estesia particular. Aqui, na forma inventada por Jacobo da Lentini, ele como que se inventa para produzi-la e reverenciá-la, como o exemplo que se segue, intitulado “Ah, o soneto”, e com o qual arremato estas despretensiosas considerações:

Invenção secular e cativante
ganhou foros de forma reverente
a clássica poesia, ao consequente
culto à beleza e ao estro delirante.
O soneto conforma, num instante
a imagem plural e surpreendente
da mensagem inserida de repente
numa forma com fundo semelhante.
O soneto é roupagem de requinte
aos versos esculpidos ao talante
da paixão, de uma dor ou de um acinte.
Ainda que maltratado por quem cante
mal a sua canção, dois mil e vinte
prova que os séculos o terão diante!

(Publicado hoje, 06/07/2025, em A União)


FONTE: A União - via Facebook - Acesse

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