Por: | 20/07/2025
Letra Lúdica
Hildeberto Barbosa Filho
Artesã do haicai
Japão, cultura milenar em haicais (Jundiaí: Telucazu Edições, 2024), de Regina Alonso, pode ser lido como uma pequena propedêutica ao universo da forma poética oriental, cristalizada no retângulo mágico de três versos.
A
autora, natural de Santos (SP), poeta e contista, estudiosa do haicai, se permite mesclar, no bojo dos poemas, vocábulos do idioma japonês com os léxicos da língua portuguesa, atritando, assim, as palavras, em seus componentes gráficos, visuais e semânticos.
Um exemplo primeiro:
“bambus entrelaçados -
em noite primaveril
balança a chochin”
Em nota de rodapé, verificamos que chochin significa “lanterna”, estabelecendo-se, desse modo, a luz do sentido que enforma a temática do texto. A propósito, esse é o método utilizado em toda a coletânea, talvez com o fito de aproximar cada vez mais o leitor da atmosfera poética da cultura nipônica.
Os haicais de Regina Alonso, via de regra, procuram manter a aura evanescente, reflexiva e filosófica característica do gênero. A natureza, com seus elementos variados, é motivo recorrente, assim como o tom descritivo de detalhes naturais e atmosféricos prefiguram o movimento do olhar lírico sobre coisas, seres e fenômenos.
À página 51, deparo-me com este haicai:
“o fogo sagrado
leva papéis e preces -
Dondo Yaki”
Na nota de rodapé correspondente, fico sabendo que Dondo Yaki é o “Festival da Fogueira, que marca o fim das festividades da passagem de ano”, o que me faz compreender melhor a mensagem do texto.
Aliás, é preciso que se diga: são muito ricas, em termos de conteúdo, as diversas notas de rodapé. Vejo-as, em certo sentido, como lições em miniatura que podem elastecer a nossa visão acerca da alquimia particular donde brota a matéria e a forma do haicai.
Não me recuso a citar outro exemplo, extraído da página 73:
“ao frio da manhã
desperta a flor de azagao -
e logo adormece”
Azagao quer dizer Glória da Manhã; “símbolo do verão e da sabedoria Edo”, um dos períodos da história do Japão e nome antigo de sua capital.
Sinto-me, portanto, com a leitura desse livro precioso, em face de uma dupla e simultânea experiência: a do prazer estético, proporcionada pela fatura dos poemas, e a da aprendizagem teórica, colhida nas notas e nos paratextos que acompanham a sequência dos haicais.
(Publicado hoje, 20 de julho, no jornal A União)