As coisas
(Para Tereza/Rodrigo, artistas portugueses)
As coisas
não estão mortas
como pensamos.
As coisas
têm vida, para o bem,
para o mal.
Restos de ossos, terrenos baldios,
utensílios estragados, ruínas.
As coisas
estão imóveis, mexem-se,
no entanto, no silêncio.
As coisas
não falam, não têm idioma
nem fábula.
As coisas
estão aí, dentro do karma,
do vazio.
As coisas
somos nós, o mundo
são as coisas.
Frascos quebrados, pinças perdidas,
pentes inúteis, cinzas de plástico.
As coisas
me espiam de fora,
dentro é escuridão.
As coisas
se mostram como coisas
que são.
Coisas
desse mundo, de outros
que virão.
Coisas
concretas, coisas solertes,
findas, começarão.
Coisas
que têm cores, coisas
neutras, anônimas,
Coisas
que me pedem o suplício,
a dor, o esquecimento.
O brinquedo quebrado, a blusa
estragada, a ferrugem dos arames.
Coisas
do vento, da chuva,
do lento renascer dos dias.
Coisas
alegres, coisas tristes,
coisas frias.
Coisas
que vêm, de antigamente,
agora.
Coisas
de nunca, coisas de sempre,
eternamente.
Coisas
de vidro, carne, fósseis,
porcelana do martírio.
Coisas
quase perfeitas,
que são delírios.
Coisas
que brotam da terra,
naufragam nos rios.
Coisas
no cio como as coisas
poéticas.
Bonecas envelhecidas, bolas
furadas, soldadinhos de chumbo
derrotados.
Coisas
de setembro, mês da falta
que engana,
do leito que corre pela pele
do texto, o contexto que nunca
se completa, coisas abertas
como a vida que se escancara
incompleta. Coisas da história
e do mito, o infinito nas coisas.
Coisas que me assustam
dentro da calabroia da noite,
coisas do passado e da insônia,
dos ausentes, dos mortos, da agonia.
Coisas da melancolia
que me invadem na hora da poesia.
Urinóis apodrecidos, severas
dentaduras, óculos enceguecidos.
Coisas miúdas, anônimas,
que se fazem grandes, maiores
que o hematoma da China,
das coisas miúdas e apertadas.
Coisas feitas de nada, essas
me seduzem como fêmea fatal.
Coisas do futuro e da espera,
esperar é amar certas coisas.
Coisas do país, coisas da guerra,
coisas da terra, coisas de raiz,
coisas que me dizem, nunca
me encerram, que sou coisas
precárias, árias dissonantes
de uma música deserta.
A flor esquecida no alfarrábio,
o rascunho da carta que não foi,
selos velhos, cromos, fitinhas
de papel crepom.
Coisas aflitas, coisas agônicas,
disso fiz o meu poema.
Coisas são coisas e são temas
do desespero, da inutilidade.
Coisas que me perseguem,
faz tempo, e não existem
e doem e alucinam.
Coisas que sou e não sou,
quem diria, dentro da poesia
das coisas e sua louca obsessão.
Sou irmão das coisas para sempre.
Coisas rasteiras, as que cheiram
mal. O ocaso dentro do peito,
o mal feito das coisas ditando
o horror na Ucrânia.
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