Sérgio Botelho – Já fazia mais de um ano que em São Paulo acontecera a Semana de Arte Moderna, também chamada de Semana de 22, uma reunião de artistas e intelectuais que impôs profundas modificações nas artes brasileiras, com fortes repercussões nos costumes. Na verdade, a década de 1920, logo após a I Guerra Mundial, representou importantes mudanças comportamentais no Ocidente. As mulheres adotaram padrões existencias mais desamarrados de cânones religiosos e sociais extremamente rígidos, vigentes até o Século XIX. Foi quando se livraram dos espartilhos, passaram a mostrar as pernas, metidas com a moda das melindrosas, e a usar maquiagem, e a namorar mais e melhor. Dessa forma, a Semana de 22 marca, no Brasil, essa ânsia por mais liberdades a sacodir o mundo. Anote-se, no mesmo período, o capítulo do Tenentismo, um movimento de jovens oficiais do Exército que percorreu o Brasil, entre outras bandeiras, na defesa do voto secreto e de reforma na educação pública. Na mesma direção, no Rio de Janeiro, a cientista Bertha Lutz, filha do famoso cientista Adolfo Lutz, prosseguia mobilizando em favor do voto da mulher, fundando a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Contudo, a Paraíba continuava dominada por arraigadas ideias patriarcais, sem qualquer sopro de modernidade, atravancando os sonhos contidos da juventude pessoense. As mais importantes instituições de ensino na capital paraibana eram, nos anos 1920, o Lyceu e a Escola Normal. O Lyceu, no prédio que depois passou a ser a Faculdade de Direito, e a Escola Normal, no local onde hoje funciona o Tribunal de Justiça. A separar os dois educandários, a Praça Comendador Felizardo Leite, atual Praça João Pessoa. Preocupados com as paqueras entre as moças da Escola Normal e os moços do Lyceu, as autoridades educacionais da época, dominadas pela Igreja e seus dogmas mais conservadores, proibiram que rapazes, por meio de uma tristemente cognominada ‘linha da decência’, circulassem nas proximidades do colégio das moças, na Praça Comendador Felizardo (atual Praça João Pessoa). Para garantir o cumprimento da ordem, foi determinado que a Guarda Civil montasse prontidão no local, em nome de apregoados bons costumes e defesa da família na capital paraibana. E, assim foi feito. Estava, portanto, composto o quadro político-social-moralista-repressor favorável a possíveis tragédias. Num sábado, em 22 de setembro de 1923, o jovem Sady Castor Correia Lima, do Lyceu, se chegou até a frente da Escola Normal, em busca de seu amor, de nome Ágaba Gonçalves de Medeiros, de prestigiada família pessoense, sendo Sady natural de Soledade. Logo foi abordado por um guarda civil, vulgo Guarda 33 (Antônio Carlos de Menezes), daí se estabelecendo uma discussão que resultou na execução sumária do jovem Sady. Em favor de sua vida, nada puderam fazer os médicos Adhemar Londres e Newton de Lacerda, restando ao padre José Coutinho ministrar a extrema unção. Revoltados, os estudantes do Grêmio 24 de Março (do Lyceu), promoveram manifestações pela cidade, tendo como objetivo derrubar aquela retrógrada determinação. Para completar o infortúnio, 12 dias depois Ágaba se suicida. Ao fim e ao cabo, apenas o Guarda 33 acabou penalizado. A história de Ágaba e Sady, com contornos shakespearianos, representa clara e sinistra decorrência do tradicionalismo, do coronelismo e do patriarcalismo que marcaram a história paraibana, com material para um filme, há muito devido por nossos cineastas, de longa e educativa duração. Eis mais uma vez recuperada, em linhas gerais, a história de Ágaba e Sady, que não pode ser apagada da memória pessoense, em sua parte mais triste.
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(Recorri às informações contidas em brilhante tese de Doutorado, defendida por Favianni da Silva, na Universidade Federal do Ceará, intitulada “O Caso Sady e Ágaba: O Crime da Praça Comendador Felizardo Leite e a Revolta dos Estudantes do Grêmio 24 de Março na Parahyba de 1923”, e ao texto “Amor até a morte”, do jornalista Hilton Gouveia, em A União de 12 de junho de 2011)
(Foto de 1921 da Praça Comendador Felizardo Leite (atual Praça João Pessoa), palco da tragédia Ágaba-Sady, ainda com o coreto no centro. Aos fundos, o prédio da Escola Normal, atualmente Tribunal de Justiça da Paraíba. Crédito da foto: História Crítica-Universidade dos Andes)
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