Oleg Orlov vai morrer
Francisco Gil Messias
gmessias@reitoria.ufpb.br
Leio a notícia de que o russo Oleg Orlov foi condenado a dois anos e meio de prisão na Rússia. Ele é ativista da luta pelos direitos humanos e ganhador do Prêmio Nobel. Tem setenta anos e é opositor de Vladimir Putin, principalmente no que se refere à invasão da Ucrânia. Provavelmente morrerá na prisão – ou fora dela, não importa – de algum mal súbito, inexplicável, da mesma maneira que têm morrido sistematicamente, à vista do mundo, os opositores daquele que, eleito pelo povo, tem governado despoticamente a Rússia há mais de vinte anos, devendo governar até a morte, ao que tudo indica.
Não sou vidente nem adivinhador para prever essa morte anunciada. Mas também não sou cego nem burro, desculpe o leitor a talvez imodéstia. Daí ousar afirmar que Oleg Orlov vai morrer na prisão ou fora dela, mais dia menos dia. Porque esse tem sido o destino dos que se opõem ostensivamente ao ditador russo, desde que ele tomou o poder, pelo voto do povo, após uma vida de serviços prestados à ex-KGB, instituição de inteligência e repressão, célebre por sua violência desde os tempos de Stalin. Uns são mortos nas prisões, em suicídios ou doenças forjados; outros, são eliminados no exterior, envenenados das mais diversas maneiras, mas sempre com a conhecida assinatura dos assassinos, digo, do mandante-mor, novo tsar daquelas imensas e geladas estepes.
A Rússia é um daqueles países com vocação para o autoritarismo. Assim como a China. Acostumado por séculos e séculos de governo despótico, monárquico e socialista, o povo russo parece não saber viver democraticamente, à moda ocidental. Tem eleições periódicas, é certo, mas de que servem as mesmas se ele, o povo, elege repetidamente o mesmo ditador, para mandatos sucessivos, como se gostasse masoquistamente de viver sob o chicote do feitor? Na China é a mesma coisa, com a diferença de que lá o povo nem tem a oportunidade de eleger o presidente. Mas parece também apreciar o cassetete do algoz, principalmente agora que, ironicamente, milhões de chineses estão enriquecendo com as práticas mercantis capitalistas. O Japão também tradição autoritária, mas os japoneses, por incrível que pareça, têm sabido se adaptar melhor à democracia do Ocidente. Reverenciam o imperador, mas apenas como figura simbólica, despojada de qualquer poder efetivo.
Sabe-se que um dos sonhos de Putin é reconstituir a URSS, desmantelada após a queda do Muro de Berlim. Daí a bárbara invasão da Ucrânia, talvez ensaio de outras planejadas invasões de países limítrofes. E nesse empenho elimina toda oposição sem nenhum pudor. Os governantes ocidentais a tudo assistem impassivelmente e continuam, sorridentes, a apertar a mão do tirano nos encontros internacionais. É isso que chamam de relações exteriores.
Algumas das vítimas do novo tsar: Alexei Navalny (ativista dos direitos humanos), Yevgeny Prigozhin, Boris Berezovsky (magnata) e Sergei Skripal. Mas tem muito mais, claro, pois estes quatro são apenas os mais vistosos, em termos de mídia. Sem dúvida, são muito corajosos esses adversários suicidas. Os que podem vão embora para outros países. A Inglaterra está cheia deles, principalmente de bilionários surgidos após o desmonte da URSS. Alguns são verdadeiros gângsters, tão violentos e rapaces quanto o próprio Putin. Vivem cercados de capangas armados, com medo até da comida que comem em casa. No caso desses mafiosos, a razão da divergência com o presidente não é política, mas econômica, questão de ganância, geralmente. Mas há os idealistas, como Alexei Navalny, já eliminado, e Oleg Orlov, prestes a sê-lo.
Sabemos que ser oposição, em qualquer lugar, não é fácil, nunca foi. Daí as sucessivas adesões recebidas pelos poderosos do momento. Há gente que só sabe viver à sombra generosa do poder. Mas na Rússia contemporânea o risco parece ser ainda maior. E digo parece, pois não sabemos o que de fato acontece em outros lugares menos midiáticos. É muito possível que haja cenários piores. Na Coreia do Norte, por exemplo.
Penso que a ONU deveria, de alguma maneira, proteger ou tentar proteger pelo menos os presos políticos mais notórios. Um ganhador do Nobel não pode ser morto pelo Estado impunemente. Ninguém pode, na verdade, mas se os medalhões são tão vulneráveis, que dizer dos cidadãos anônimos? A política internacional é regida por interesses e não pela ética, sabe-se. Porém, há limite para tudo. A sobrevivência da civilização e da própria humanidade depende disso.
Acompanhemos o calvário de Oleg Orlov.
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