Por: | 10/06/2024
LETRA LÚDICA
Hildeberto Barbosa Filho
Coisas da vida literária
Publiquei o primeiro texto em A União nos idos de 1976. Não foi artigo nem crônica. Foi um poema,
intitulado “Analogia”, dez anos depois inserido no livro de estreia, A geometria da paixão. O poema vinha ao lado de outros, numa página do caderno cultural, “Momento Poético”, já não me recordo editada por quem. Antônio Barreto Neto, Carlos Aranha, Jurandy Moura, Carlos Romero? Não sei.
Essa página contava com a colaboração de Vanildo Brito (“Terceira canção dos cosmonautas”), Carlos Tavares (“O senhor dos campos”), Fernando Melo (“Livros na Estante”), Zuíla Benevides Moraes (“Cotidiano”), Francisco Noronha (“A morte do Menestrel”) e com a minha, com o poema referido, que aqui transcrevo: “Incha dentro de mim ∕ a lua cheia que não há no céu. ∕ Bato livros e livros, e meus olhos ∕ molhados buscam estrelas que não no céu. ∕ Incha dentro de mim ∕ o pão nosso que não há na terra. ∕ Bato livros e livros, e meus olhos ∕ molhados buscam homens que não há na terra”.
“Cinco poetas novos”, comenta o editor, em breve nota de apresentação, “todos inéditos até agora, são lançados hoje neste momento”. Segundo seu entendimento, “Em três deles, a preocupação social é o tema básico: Carlos Tavares canta o infortúnio do camponês, enquanto Zuíla Benevides Moraes, decepcionada com o cotidiano, sonha com uma humanidade solidária e feliz, de mãos e corações unidos, e H. Barbosa Filho dá um cunho mais filosófico ao seu desencantado sentimento do mundo. Os outros dois são Fernando Melo, que se queda na contemplação lírica dos livros na estante, e Franscisco Noronha, que compõe uma elegia ao Menestrel desaparecido”. E arrematando o comentário, afirma: “Como uma espécie de ´padrinho` dos iniciados nos mistérios da Poesia, comparece Vanildo Brito, guru da efervescente Geração – 59, que conseguiu realmente sacudir o marasmo intelectual da Província, na época”.
Esse registro me parece curioso na pauta fluida e difusa da vida literária. Vanildo Brito, por exemplo, que já era um poeta consagrado em termos locais, continuou cultivando a lavoura do verso até os últimos dias de vida, deixando uma obra lírica das mais candentes da literatura paraibana. Ele, Jomar Morais Souto, Luís Corrêa, Tarcísio Meira César faziam a linha de frente daquela geração, observada a qualidade poética do verso.
Eu, descontadas certas investidas, ingênuas e toscas, da adolescência, como que me iniciava no árduo caminho do labor poético. Caminho este que ainda percorro na altura de meus setenta anos e que, se me legou muitos títulos, ao longo dos anos, parecem explorar uma temática única, cujas esferas mais intensas se resumem à perquirição da palavra, a evocação da terra, a sondagem do erotismo e a meditação acerca da angústia existencial, com todos os motivos, paradoxos e espantos de sua tessitura.
Os outros, Carlos Tavares, Fernando Melo, Zuíla Benevides de Moraes e Franscisco Noronha, não se definiram como poetas em suas respectivas trajetórias. A propósito, diga-se de passagem, o que não é incomum. Muitos começam pela poesia e logo a abandonam, dedicando-se a outros gêneros literários ou mesmo a outras atividades que nada têm a ver com a arte ou com a literatura. Conheço casos de candidatos a poetas que viraram corretores, burocratas, comerciantes e até agiotas.
Francisco Noronha, se aqui e ali publicava um poema, não assumiu, de fato, o ofício de poeta. Salvo engano, não chegou a publicar livros, voltando-se, no entanto, com talento e criatividade. para a prática do jornalismo cultural, a que tantos serviços prestou nos periódicos locais. Isto, sem contar com as suas ações proativas na coordenação de diversos projetos de cultura junto ao SESC.
Fernando Melo, também jornalista de respeito e enxadrista de escol, terminou se dedicando à ficção, às biografias e ao estudo minucioso sobre a obra balzaquiana, da qual se tornou pesquisador e especialista na Paraíba. Escreveu também livros de crônicas e narrativas policiais. Todavia, a seguirmos o viés do poema publicado naquela velha página de jornal, aqui já aludida, ficou o amor dos livros, enquanto a poesia, tudo leva a crer, se evaporou ao passar do tempo.
Carlos Tavares, também jornalista competente, sobretudo no ramo do jornalismo literário, tornou-se um dos nossos contistas mais vigorosos, com o seu premiado pela UFPB e publicado pela Girafa, As fábulas da febre. Carlos já se foi para outros territórios, mas deixou um romance inédito, intitulado Desolados lobos; um livro de contos e duas novelas, das quais destaco Brumário de pedra.
Já Zuíla Benevides de Moares, confesso que desconheço seu paradeiro, consideradas, em especial, as coisas da vida literária. Se quem me lê tiver alguma informação, procure ajudar esse velho rastreador de livros e jornais antigos. Ficarei muito grato.