Areia de pote
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Os tenebrosos cowboys

Por: Francisco Gil Messias | 21/07/2024

Os tenebrosos cowboys

Francisco Gil Messias

gmessias@reitoria.ufpb.br


Assustou-me a foto da convenção do Partido Republicano dos EUA em que Donald Trump foi sagrado candidato à presidência daquele país nas eleições de 2024. Tirada de cima, a fotografia mostra um mar de homens vestidos de vermelho e de chapéu de cowboy branco. Se estivessem todos com o uniforme preto da Gestapo hitleriana não assustariam menos. Via-se que não eram propriamente eleitores, mas soldados, prontos a seguir qualquer ordem do chefe, por mais louca que fosse. Assustei-me, confesso. E temi pelo mundo.


Digo isso e não pense o leitor que o faço por razões ideológicas ou semelhantes. Longe disso. Há muito que abandonei qualquer ilusão sobre credos desse tipo, preferindo guiar minhas escolhas pelo critério casuístico do mal menor em cada situação. A cada manifestação da doença cívica, o remédio adequado ao momento. E assim vai-se levando o doente, sabe Deus até quando. Mas quando vemos alguém arrogante, autoritário e despreparado como Trump prestes a assumir novamente o governo do mais poderoso país do planeta, é de se ficar temeroso quanto às consequências dessa ascensão para a paz mundial, pois já vimos do ele é capaz. Sua volta ao poder, lembra-nos o potencial de perigo que haveria num hipotético retorno de Hitler ao comando da Alemanha. Só de pensar, perdemos o sono. E olhe que estamos na periferia do mundo e não próximos do olho do furacão, como os europeus.


Quem diria que a mais sólida democracia do Ocidente chegaria a esse ponto. Eleger um sujeito sem tradição política e com um passado insalubre nos negócios e na vida privada. Eleger não uma, mas duas vezes, como se fosse uma afirmação de princípios. E a provável segunda eleição dando-se após o atentado ao Capitólio, crime de lesa-pátria estimulado pelo irresponsável maior. Tudo isso nos revela os Estados Unidos profundo, não o país cosmopolita e arejado das grandes metrópoles, mas aquele dos grotões longínquos e atrasados, resquícios rudes do faroeste e da Ku Klux Klan.


É uma clara regressão, para desconsolo dos que acreditam na contínua linha ascendente da História. Todo radicalismo é sempre um passo atrás, seja de que coloração for. Essa lição dos tempos os homens insistem em não aprender, numa prova de que o homo sapiens é bem pouco sábio, um idiota teimoso que repete deliberadamente seus erros. E se assim é na nação mais rica do planeta, imagine nas menos desenvolvidas. A França e a Inglaterra deram recentemente um exemplo de sensatez, no sentido de equilibrar, com a alternância do poder, os extremos à direita e à esquerda, buscando a razoabilidade do centro, espaço de convivência civilizada das ideologias. Nem tanto ao mar e nem tanto à terra, eis o segredo.


Afirmam alguns que para o Brasil é melhor a eleição de Trump que a de Biden. Será mesmo? Aguardo argumentos que me convençam, desde já admitindo que em política tudo é possível, até as coisas mais improváveis. Entretanto, continuo achando um desastre para todo o mundo a eleição de alguém como Trump, um belicoso pigmeu com ar de gigante enfurecido.


E para completar, o recente e frustrado atentado à sua vida transformou-o, para muitos, num mártir absoluto, merecedor de todos os desagravos. A aura do quase martírio, como romanos louros, a cobrir sua exótica cabeleira e a sua orelha. E o problema é que ele está longe de um Júlio César ou de um Augusto e muito próximo de um Nero, aquele que, diz-se, mandou atear fogo em Roma.


Depois dos tormentos de duas guerras mundiais e da “guerra fria”, era de se supor que o mundo desejasse paz, dentro do possível. Que a política e os recursos materiais fossem colocados a serviço das necessidades maiores da humanidade, acima das eventuais divergências. E que os líderes fossem escolhidos dentre os melhores de cada povo, aqueles e aquelas capazes de conduzir as nações ao bom caminho da concórdia e da solidariedade universais. Mas o que se vê, entre outros perigos, é o mar de cowboys beligerantes a aclamar Trump e seu discurso odiento.


Algum espírito de porco, que sempre os há, poderá arguir que os brasileiros nada têm a ver com a política interna dos EUA. Que ingenuidade, para não dizer que burrice! Será que se as bombas atômicas explodirem acima da linha do equador restaremos incólumes? Quem quiser que pague para ver.


Terminou nisso o Partido Republicano estadunidense. Um bando de caipiras de chapéu de cowboy, provincianos, preconceituosos e virulentos, a decidir sobre o destino do mundo. É uma lástima. E que Deus nos livre, aqui e em todo lugar, de todos os cowboys.  


  


  


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CLEMENTE ROSAS - CABEDELO
Excelente artigo. Concordo integralmente e tenho a mesma preocupação. E a mesma angústia.