Hildeberto Barbosa
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Hildeberto Barbosa

Santa Ceia em Paris: Jogos Olímpicos e obra de arte

Por: | 29/07/2024

Pensamentos Provisórios
Amei a abertura dos Jogos Olímpicos em Paris. França é França! Mesmo com sua crueldade colonial e mesmo sem as belas mulheres que só vi em Sertânia (PE), a França sempre foi vanguarda cultural, estética e política. Deu um Apolo da palavra, Flaubert; deu um Dionísio do verso, Rimbaud. Os signos da liberdade, igualdade e fraternidade, sobretudo o da fraternidade, se mesclam no seu compósito visual e melódico. O espírito das Olimpíadas gregas veio à tona, com seu humanístico capítulo da união de todos os povos. Gostei de quase todos os momentos. Nenhum se perdeu na monotonia da repetição convencional. Vi fusão de cores, de sons, de aromas, de gestos, etnias, ritos, crenças, ideais. Qualquer coisa, ali, me dizia que o esporte é muito mais que uma simples e calculada competição. Dos detalhes, um me tocou profundamente.: a tela da “Santa Ceia”. Nela, a figura de Apolo. Não a do Deus ático da mitologia pagã. Mas a do personagem gordo, representando, ali, na configuração simbólica do quadro, a presença de Cristo. Paródia pura. Que arte não o é? Ariano botou um Cristo negro no Auto da Compadecida. E como isto fala e cala. Não sou religioso, mas adoro Jesus. Com ele aprendi que quem tem amor no coração é ele, a seu jeito e na sua circunstância. Gordo, magro, pálido, preto, pardo, grego, troiano, se tiver amor, se souber amar o próximo como irmão, é Cristo. A propósito, conheço diversos Cristos. O dos Evangelhos, em especial o de Mateus; o de Virgílio, o de Renan, o de Saramago, o de Kasantijakis, o de Jacques Le Goff, o de Thomas Merton, o de André Comte Sponville, o de Jackson de Figueiredo, o de Alceu Amoroso Lima, o de Antônio Carlos Vilaça, o de Frei Tito, o de Frei Beto. São diferentes e são o mesmo, regidos pela pauta ilimitada do amor. Não digo isto para parecer erudito. A propósito, detesto qualquer tipo de erudição, com sua intrínseca esterilidade. Não sou professor nem o mundo me é uma sala de aula. Sou apenas um animal em desamparo, como todos, porém, me vi ali naquele mundo sem fronteiras, em pleno bojo da fraternidade. Um mundo onde Cristo pode ser e o é, sem dúvida, a cultura erudita, a cultura pop, a cultura popular; o negro, o cigano, o lgbt, o trans, as putas, os gays, o bêbado, o poeta, os trabalhadores, os oprimidos, os ofendidos e humilhados, enfim, o bicho humano que faz de uma cidade e de um rio, por um instante, um texto poético, o encontro da beleza com a liberdade. Ou melhor dizendo, uma obra de arte.


FONTE: Facebook - Acesse

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