Por Belarmino Mariano.
Filhos do estupro ou abortados pelo medo, homens. Violação patriarcal do divino, violência matriarcal em estar vivo. Morte calada que rebusca nas cinzas a poeira cósmica da noite, que esconde o sono e que não permite a embriagues dos sonhos.
Quando ocupei o útero de gaia ainda não era homem, mas apenas sonho. Gaia Gerou do sêmen solar a luz da vida que germina em suas entranhas fecundas.
Primeiro um pó de luz se espalhando pelos recantos e imaginários olhos de mulher, que chora, grita, e sorrindo cria nas profundezas do ser os cristais para o novo e desprendido movimento do nascer galáctico.
O filho de uma nova idade, fluído de uma aromática essência de mulher que chorando se corta por dentro e sangra um vermelhado e violento momento matriarcal em explosão quântica.
A noite resumida a uma madrugada de mortes incertas. Parece uma nevasca eterna congelado a tudo e a todos. São tantos os espaços da morte que até o vazio se desespera com o espetáculo que é a certeza da morte.
Como garrafas de vinho vazias representa os devaneios humanos, a morte das uvas e o nascimento dos sonhos que embebidos pelo doce/amargo, seco/suave traz na sua idade o sabor de uma vida, presa e enfrascadora de energias que, em estado líquido, tinto, branco ou rose, pode derramar-se sobre o corpo, a alma, a calma e a alegria.
Pode libertar-se, ser vinho, rio correndo pelo pensar e passar dos que se tornam vinhos em suas fantasias fermentadas. Deuses embebidos pelo sangue derramado, deus que engolem os próprios filhos como se fossem alimentos frescos, banhados no azeite ou cordeiros assados nas brasas cósmicas.
Te vê do alto com um voar de homem-pássaro, tua contradição dilacera todos os sentidos de um apocalíptico alfa do gradativo vitral nadesco a se apagar e, sem a luz perdi de ver o brilho dos teus olhos, perdi de ver de vez o que, talvez não veja jamais.
Em fractais do desconhecido e nos pensamentos de Ariano (...)"Eu vi a morte, com manto negro, rubro e amarelo. Vi o inocente olhar, puro e perverso, e os dentes de coral da desumana. Eu vi o estrago, o bote, o ardor cruel, os peitos fascinantes e esquisitos. Na mão direita a cobra cascavel, e na esquerda a coral, rubi maldito.
(...)Na fronte uma coroa e o gavião, nas espáduas as asas deslumbrantes que ruflando nas pedras do sertão, pairavam sobre urtigas causticantes, caule de prata, espinhos estrelados e os cachos do meu sangue iluminado.
(...) Mas eu enfrentarei o sol divino, o olhar sagrado em que a pantera arde. Saberei por que a teia do destino não houve quem cortasse ou desatasse.(...) Ela virá a mulher aflando as asas, com os dentes de cristal feitos de brasas e há de sagrar-me a vista o gavião. Mas sei também que só assim verei a coroa da chama e Deus meu rei assentado em seu trono do Sertão."(Ariano Suassuna, Poesia Viva, 1998, CD:14 e 15).
Estes fragmentos de sonetos, carregados de signos, enigmas e imagens únicas são os elementos da morte, percebidos por Suassuna (1998). Nesse imaginário, as figuras da morte, vestida com adereços de elementos da natureza sertaneja, nos fazem viajar pelas palavras para na morte a sublimação da carne, onde o sol é um testemunho vivo de tal sede.
Assim, símbolos da natureza semi-árida são ressaltados como poderosos e sagrados, no ponto do divino centralizar sua força nestas terras. Em outras partes do soneto, Suassuna ressalta a morte como um toque inapelável do divino, maciez, vida e obscuro toque de um Deus no homem.
O lugar e seus elementos como o gavião, a cascavel, a coral, a vida e a morte como figura feminina, que em suas palavras ganham um profundo significado, também lembra Saramago (2005), sobrevas "Intermitências da Morte".
O destino, outro elemento muito forte na cultura nordestina, que em sua “triste partida” pode estar traçado, e diante da morte é preferível vagar pelas terras alheias, na espera de um dia voltar. Pois o destino traçado em suas mãos vai além de seus poderes terrenais. Cultuar a morte é sagrado por demais.
Morte espetacular, em todos os seus elementos de arte. A morte possui a arte de matar. A morte mata o tempo e morrer é muito natural e todo tempo é da morte, é de morrer. O ato de morrer parece o fim da vida, animal ou vegetal, mais existem incertezas.
Pode ser uma entidade imaginária, crânio humano sobre ossos e cinzas. Morte agônica, súbita, neurocerebral e irreversível. A morte cósmica de uma estrela, grande e natural morte. Morte matada não natural. Morrida, natural. Por doença, violenta, rápida, imprevista. Desastre, homicídio, suicídio. Chorada, cantada, lastimada, irremediável.
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