
Publicado em 10 de setembro de 2025 por Tribuna da Internet
Thiago Bronzatto
O Globo
Os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, protagonizaram um dueto na forma como apresentaram seus votos no julgamento da trama golpista. Os dois ironizaram as teses das defesas, mandaram recados aos que defendem o projeto de anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro e utilizaram frases de efeito, numa estratégia tanto jurídica quanto retórica, com o objetivo de condenar os acusados, mas também de convencer o público sobre a gravidade dos fatos analisados pela Corte.
No mérito, porém, eles divergiram pontualmente sobre a gravidade dos papéis desempenhados pelos réus. De um lado, Moraes tratou todos os oito réus como peças essenciais de uma organização criminosa que atacou a democracia e tentou reverter o resultado das eleições em 2022. Do outro, Dino separou os condenados em dois grupos, atribuindo maior responsabilidade ao ex-presidente Jair Bolsonaro, ao ex-ministro da Casa Civil Braga Netto, ao Almirante Almir Garnier, ao ex-ministro da Justiça Anderson Torres e ao ex-ajudante de ordens Mauro César Cid, enquanto entendeu que tiveram participação de menor importância o deputado federal Alexandre Ramagem, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira.
PROTAGONISTA – Tanto Moraes quanto Dino buscaram fixar um ponto central no julgamento: Bolsonaro não foi um mero espectador de seus apoiadores mais radicais, mas sim líder de uma empreitada delituosa com divisão de tarefas e unidade de objetivos, características típicas de uma organização criminosa. Para Moraes, os atos praticados pelo grupo não eram preparatórios, como insistem as defesas, mas sim executórios.
O ministro listou 13 atos concretos como lives repletas de ataques à Justiça Eleitoral, uso da Polícia Rodoviária Federal para interferir nas votações do segundo turno das eleições em 2022, pressões sobre comandantes militares para minar a confiança das urnas, diversas versões de minutas golpistas e uma operação para matar autoridades. Todo esse complô golpista foi exposto numa apresentação de slides com mensagens de WhatsApp, anotações em agendas, documentos, entre outras provas.
Nesse ponto específico, Dino concordou com Moraes e destacou em seu voto que a execução do golpe se materializa quando o risco à ordem constitucional se torna real. Ou seja, o ministro entende que a violência e a grave ameaça já estão configuradas em discursos antidemocráticos de Bolsonaro proferidos em 7 de setembro de 2021, com ataques às instituições, e depois em 8 de Janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas, sob influência intelectual do ex-presidente.
“PUNHAL VERDE E AMARELO” – Não se tratavam, portanto, de meras “ideias” ou “anotações pessoais”. Dino chegou a ironizar a tese de defesa ao dizer que o nome do plano não era “Bíblia Verde e Amarela”, mas sim “Punhal Verde e Amarelo”. Os dois ministros também enfrentaram um dos pontos mais espinhosos do julgamento: a distinção entre tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado de Direito.
Para as defesas, trata-se do mesmo crime. Para Dino e Moraes, contudo, são bens jurídicos diferentes: um delito busca impedir o funcionamento das instituições, enquanto o outro visa derrubar um governo legitimamente eleito. Isso não significa punir duas vezes pelo mesmo fato, mas dar nome e consequência a ataques distintos contra a democracia.
É um debate que certamente terá repercussão jurídica nesta quarta-feira, já que o ministro Luiz Fux indicou que pode divergir dessa tese, mesmo ficando vencido pela opinião da maioria da Primeira Turma do STF. O entendimento majoritário do colegiado servirá para traçar um limite histórico para evitar novas aventuras golpistas e evitar uma manobra para anistiar Bolsonaro e seus aliados.
RECADO – Ao longo do julgamento, Dino mandou um recado indireto aos aliados de Bolsonaro que se articulam no Congresso para livrar o ex-presidente de uma eventual condenação pelo STF: qualquer tentativa de aprovar uma anistia ampla e irrestrita aos envolvidos na trama golpista dificilmente sobreviverá ao crivo do Supremo.
O ministro relembrou que os crimes cometidos por grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito não prescrevem e tampouco podem ser deletados, já que o regime democrático é uma cláusula pétrea da Constituição. Para reforçar a sua tese, Dino citou manifestações feitas pelos ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, para deixar claro que a Corte rejeitará qualquer tentativa de impunidade.
Na semana passada, ao ler o relatório da ação da trama golpista, Moraes mandou um recado ao Congresso ao dizer que “o caminho aparentemente mais fácil da impunidade deixa cicatrizes traumáticas e corrói a democracia, como demonstra o passado recente do Brasil”.
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