IMPROVISO - o toque mágico que muda tudo.
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Ao ver a consagração do KLEBER MENDONÇA FILHO agora, em Cannes, me veio à memória um dos grandes detalhes de sua genialidade: a do improviso, que tantas vezes marcou meu trabalho em seu primeiro longa, O SOM AO REDOR, em 2010.
Exemplo:
Na sequência em que dois novos vigilantes de Boa Viagem vêm se apresentar ao empresário - que sou eu - Kleber me sussurra: "Pergunte se tem cabimento vigilante com um olho cego".
- Mas... Kleber, - pondero, preocupado com o figurante - o cara é cego mesmo...
- Pergunte.
Perguntei, o cara foi genial:
- Se brincar, enxergo melhor do que o senhor.
Improvisei:
- Lampião também era cego de um olho, enxergava melhor do que eu, mas foi morto.
- Mas, antes, matou muita gente...
Eu ri:
- Gostei do cabra!...
O elenco assumiu isso. Quando tomávamos banho de cachoeira, em Bonito, interior de Pernambuco, "meu neto", ao, meu lado, de repente - com o choque da água fria - deu um berro empolgado. Espantei-me e dei um berro ainda maior.
Terminada a cena, perguntei-lhe se Kleber mandara que fizesse aquilo. E ele, rindo:
-Não.
- Então vamos levar uma bronca.
Mas Kleber gostara tanto, daquilo, que lá estamos, já no trailer, berrando.
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Não existe Arte sem improviso.
Quando quatro dos atores de minha peça "a bÁtalha de OL contra o gÍgante FERR", de 86, me pediram que montasse algo com eles, em 88, aceitei:
- Podemos montar uma adaptação de meu romance A VERDADEIRA ESTÓRIA DE JESUS, que gira em torno dos quatro evangelistas, mas como um de vocês é Melânia, tudo começaria com ela dizendo:
- Vamos, logo, às apresentações - pelos codinomes, claro, porque a situação não está para brincadeira. Este - indiquei Tião - é o dramaturgo romano Marcos. Este, o judeu Mateus - perito nas escrituras hebraicas. Este, o grego João - sumidade em Platão. E eu ... passo a ser ... Lucas.
Foi fascinante ver, na estreia, do ponto escuro em que eu estava, a reação da plateia, no que aceitou o arranjo com naturalidade.
Isso se chama SUSPENSÃO DA INCREDULIDADE.
Quando o elenco, dois anos antes, chegara à minha casa, para o primeiro momento de leitura coletiva d´a o texto d" a bÁtalha de OL contra o gÍgante FERR", a cada um que eu recebia, já dava, mentalmente, um papel. Quando via a recepção como terminada, toca a campaínha e dou com Elton. Caramba: "Não tenho papel para ele!!!" - e o levei ao grupo, a cabeça a mil. Ao sentar-me, com eles, fui distribuindo os textos e, a cada um o seu papel, até que, ante Elton e Soraia, disse:
- Riol é um guerreiro que não se definiu como entidade, por isso ele será um duelo falado de vocês dois.
Foi um dos grandes sucessos da montagem.
O outro me surgiu quando, na plateia vazia do Teatro Paulo Pontes, aguardava a chegada do elenco, preocupado com o enorme probglema que era o de como fazer uma nave espacial descer no palco, quando a coreógrafa Rosa Angela Cagliani, montando a luz de um novo balé, deu a ordem ao iluminador:
- Faça descer a parafernália!
Tudo à base de computador, ouvi um zumbindo e vi cerca de 100 refletores descerem acesos, na engrenagem metálica e quase rugi:
- Minha nave!!!
Nunca me esquecerei de quando a cena aconteceu no teatro, em Brasília, vi uma lágrima descer no rosto de Buda Lyra, que estava ao meu lado, aplaudindo o lance, com toda a plateia.
Neste momento estou trabalhando em meu nono - talvez último - "tractatus poetico-phioosopicus" que, de repente, teve o tema - que era o da proximidade da morte - alterado, por força de um forte improviso.
É assim.
O mesmo se deu na "vida real", quando o gerente da agência do Banco do Brasil de Pombal - que resmungava dizendo que eu, seu subgerente, só pensava em teatro - foi para um curso interno de dois meses - da empresa, no Rio: mal virou a esquina fui ao único grande empresário da cidade, na época, Paulo Pereira, que tivera uma diferença com nosso primeiro gerente e jurara nunca mais mpisar no banco. Fui lá:
- Seu Paulo, volte a operar conosco.
- Não, jurei nunca mais bogtar os pés lá.]
- O senhor não bota: venho, aqui, fazer as operações.
- Bem, eu estava de saída para Campina Grande para fazer uma grande operação com os papeis da safra.
Pegou o grande maço de documentos do cofre. Eu disse, OK, consulto a direção geral e fazemos isso aqui.
- Mas... quando.
- Alguns dias.
- Não, vou a Campina e negocio isso hoje.
- OK: eu faço a operação e... me explico com a sede.
Foi o primeiro lucro da agência.
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