Por: | 22/09/2025
Letra Lúdica
Hildeberto Barbosa Filho
Totonho, inquietação criativa
Aprecio certos encontros casuais. Sobretudo, encontros com gente de cepa, raiz, tutano e moela criativa. As coisas se dão assim, num piscar de olhos, atendendo, parece, à engenharia do acaso, com seus frutos inesperados.
Ia
eu para o Departamento de Música da UFPB, abrir uma das noites do VIII Festival Internacional de Música de Câmera, falando qualquer coisa sobre o poeta Augusto dos Anjos, grande homenageado do evento. Antes, resolvi parar no Bar de Santos, Castelo Branco, para tomar duas ou três doses de uísque a fim de pensar e relaxar um pouco.
Já a postos numa das mesas e mergulhado numa rápida programação neurolinguística em torno do que faria mais tarde, sou abordado, imaginem, por ninguém menos que o cantor e compositor Totonho, 60 anos de vida e muita estrada na cena musical.
Negro, alto, gordo, olhos vivos e ardentes, exclama: “Por aqui, poeta!”, entre alegre e admirado. Senta-se e se bota a falar de sua vida, de sua arte, de sua imensurável sabedoria poética de letrista e compositor.6 Dos pares que admira e ama, com a generosidade dos simples e dos que têm valor.
Cada frase que diz parece um pequenino asteroide de luz fulminante. Cada causo que conta parece uma didática pelo avesso ou um imenso glossário que junta os fios do absurdo ao esplendor instantâneo dos saberes intuitivos.
Seu papo me anima, me provoca, me consola. Saio dali já imaginando outras coisas, mudando meu percurso com as dicas que me deu.
Conheço Totonho do Bar de Baiano, creio que a mim apresentado por Xisto Medeiros ou Bebé de Natércio, não me lembro. Sei, no entanto, que o mestre da alquimia musical me fascinou desde as primeiras palavras, as primeiras batidas, os primeiros tons de uma sensibilidade artística incomum. Tanto no ritmo quanto na letra.
Totonho é de Monteiro, portanto, cria dos principados caririzeiros. Veio para a capital e daqui se foi para o Rio de Janeiro, montado nos animais do ritmo e na velocidade da mais indomável melodia. Lá, e em outras praças culturais, vem dando seu recado nos palcos, ao sabor encantatório da expressão corporal e da voz vigorosa e subversiva.
Totonho e os cabras (2001), Coco ostentação (2916), Samba Luzia gorda (2018), Canção pra macho chorar e roer unha (2020) e Aí dento (2925) são alguns de seus discos, responsáveis por uma trajetória musical que explode os métodos cristalizados da tradição e se abrem para inovações que enriquecem a sintaxe das pautas, partituras, harmonias e arranjos.
À sua grei, refinada e exuberante, popular e erudita, grotesca e epifânica, lúdica e experimental, pertencem figuras como os poetas Zé Limeira e Chico Doido de Caicó, assim como músicos do naipe de um Jackson do Pandeiro, de um Hermeto Pascoal, de um Raul Seixas, de um Tom Zé e de um Pedro Osmar. Só para lembrar os que têm inquietação criativa na ponta da voz e dos instrumentos.
(Publicado ontem, 21/09/25, em A União)